Marina Tavares Dias, Olisipografia

38 anos de criatividade pessoal ao serviço do colectivo, na defesa de LISBOA

sábado

DIÁRIO DE LISBOA

Década de 1970: apogeu dos grandes jornais vespertinos de tiragem nacional. O carro do «Diário de Lisboa» galga o separador central da Avenida Fontes Pereira de Melo para entregar sem atraso os exemplares da tarde nos cafés ali existentes. Ao fundo, os edifícios do Cine-Teatro Monumental e do Anjo (hoje substituídos).



Marina Tavares Dias, 'LISBOA DESAPARECIDA', Volume IV.





quinta-feira

ELÉCTRICOS E ELEVADORES

 Marina Tavares Dias

em «História do Eléctrico da Carris»:


Percorrendo hoje os jornais da época, são poucos os dados concretos sobre os primeiros carros eléctricos que circularam em Lisboa no dia 31 de Agosto de 1901. As notícias dão conta da afluência de público, dos primeiros horários, do percurso da carreira inicial (Corpo Santo/Cais do Sodré – Algés) e do primeiro «acidente»; pouco mais. Viviam-se tempos em que a cidade era ainda, para a maioria dos habitantes, quase exclusivamente o seu centro. Assim, foi um dos então «concorrentes» da Companhia Carris de Ferro quem teve, no dia em que circularam os primeiros eléctricos, as honras de primeira página em todos os jornais. Trata-se do Ascensor do Carmo (ou Santa Justa), cuja concessão pertencia a companhia própria (a Empresa do Elevador do Carmo), e cujo tabuleiro de acesso, o célebre «viaduto metálico», sobre a Rua do Carmo foi lançado precisamente a 31 de Agosto de 1901.




domingo

A QUINTA DO FUTEBOL

 Marina Tavares Dias 

em 'Historia do Futebol' (excerto):


[...] Nesta época, os jogos eram ainda divididos em duas partes de meia hora cada uma, e a aquisição de bolas de qualidade continuava a não ser fácil. Nas temporadas de 1902 a 1904, os desafios decorriam maioritariamente em Carcavelos (Quinta Nova), na Cruz Quebrada e no Hipódromo de Belém. Os treinos realizavam-se um pouco por toda a parte, com destaque para os terrenos ainda vagos da zona do Campo Pequeno. Numa época de «balizas às costas», não havia bancadas nem balneários, pelo que os jogadores atravessavam frequentemente em calções várias ruas, antes de chegarem ao designado campo, provocando forte abalo nos brandos costumes da época. Quando se despiam, apenas próximo do terreno (com a ajuda de cobertores), as roupas ficavam no chão a marcar o local da improvisada baliza.


(Continua no livro)



                              

Jogo na Quinta Nova/Quinta dos Ingleses.
Postal ilustrado, c. 1910.


segunda-feira

'PATISSERIES' LISBOETAS

Marina Tavares Dias em LISBOA DESAPARECIDA:


As últimas representantes das confeitarias célebres são os belos salões que, nas primeiras décadas do século XX, começaram a conferir um toque aristocrata às burguesas Avenidas Novas. 

Hoje em dia, é quase nula a diferença que distingue confeitarias e pastelarias. Inicialmente, existiram apenas as primeiras, reservando-se aos padeiros o fabrico dos bolos secos. Embora também produzissem bolos com creme, as confeitarias dedicavam-se especialmente, e como o nome indica, a confeitos, conservas e doces, cujas "celebridades" incluíam frutas cristalizadas e as amêndoas da Páscoa.

A designação 'pastelaria' é mais recente. As pastelarias de 1900 recorriam, quase sempre, a dísticos franceses. Assim, a Bénard do Chiado foi "patisserie" até à década de 20 (altura em que foram proibidos os dísticos de fachada em línguas estrangeiras), e foi como "patisserie" que nasceu a Versailles (em 1922), hoje glória entre congéneres. Por "patisserie" se conheceu sempre a Bijou da Avenida da Liberdade, fundada no final de Oitocentos, que esteve até 1938 nos números 91 a 103 da avenida. 


Continua no livro.

Fotografias da Autora.







terça-feira

OS CLÁSSICOS DO CINEMA PORTUGUÊS

Basicamente, as «fitas faladas» assumem, desde o início, uma vertente semi-subversiva, totalmente diversa daquilo que, até então, dominara os argumentos para animatógrafo. Ao longo das décadas seguintes, grandes sucessos da «comédia à portuguesa» vão reproduzir à exaustão o universo pequeno-burguês da Lisboa bairrista. Pleno de personagens argutas, bailadeiras, cinéfilas, modernaças, amantes da pinga, ambiciosas, mentirosas, pouco dadas ao trabalho e frequentemente amorais. No epílogo, quase sempre, saem triunfantes sobre os chamados «botas de elástico», através de uma inversão de valores que nem sequer propõe julgamentos. As comédias do cinema sonoro penderão, pois, para o avesso do regime que as acolheu como arte, e que nunca consegue encaminhá-las para o moralismo do «poucochinho mas honrado». Analistas e historiadores futuros falharão quase sempre ao tentarem ligar este universo, basicamente «revisteiro», herdado de Oitocentos e sedimentado na Primeira República, à opção deliberada pela propaganda do Estado Novo. (...)

Continua em «Lisboa nos Anos 40» 
de Marina Tavares Dias



Beatriz Costa e António Silva 
em 'A Canção de Lisboa' 
(Cottinelli Telmo, 1933)


quarta-feira

O ALPENDRE DA CALÇADA DA GLÓRIA


Marina Tavares Dias 
em «História do Eléctrico da Carris»:


No final de 1926, é extinta a Nova Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa, passando os elevadores da Glória e da Bica a fazer parte da rede da Carris de Ferro. Logo no ano seguinte inicia-se longa e larga polémica a propósito do Elevador da Glória, pois a sua nova proprietária fizera instalar, no sopé da calçada, um alpendre estilo «déco» cuja estética chocou vários sectores da opinião pública. [...]

 

(Continua no livro)

O MARTINHO «DA NEVE»

Em 1769, Julião Pereira de Castro nomeia Simão Duarte de José Duarte para “irem ajuntar neve à real fábrica que se acha no Cabeço do Pereiro, Serra da Lousã, e para esses avisarem os mais do lugar do Coentral para acudirem a juntá-la, por ficarem os ditos à vista da serra e verem quando cai a dita neve como também para irem ver amiúde que não haja algum prejuízo na dita fábrica causado pelos pastores ou pessoas que passem, que não quebrem telhas dos telhados ou outro qualquer prejuízo, para logo que suceda se prover de remédio e para o que lhe concedo todos os meus poderes que neste alvará são concedidos por Sua Majestade”. Além dos cestos repletos de neve, contava esta produção com um reforço de gelo, feito em pleno Inverno por meio das alagoas (tabuleiros onde a água da chuva, ao relento, ia ficando até gelar). 

Chegado o tempo quente, o povo descia de novo aos poços, onde a neve era cortada e erguida, em grandes blocos, para cima dos carros de bois. Enrolados em sarapilheiras, revestidos de palha, os fardos seguiam então pelos carreiros da serra, até Miranda do Corvo, primeira paragem para muda de animais, e mais tarde até ao pequeno porto de Constância. A neve chegava de barco ao estuário do Tejo, sendo rapidamente distribuída pelos botequins da Baixa lisboeta. Já em 1782 é consumida esta neve no “botequim da Praça do Commercio”, o actual Martinho da Arcada. [...]

Marina Tavares Dias 
em «Os Cafés de Lisboa»




terça-feira

«CHATEAR O CAMÕES»

 Marina Tavares Dias em «Lisboa Misteriosa»:

Colocada entre a cidade tradicionalmente mais cosmopolita (o Chiado) e a o seu contrapeso popular (o Bairro Alto), a Praça Luís de Camões veio ocupar uma zona outrora povoada pelos restos do Palácio Marialva, vulgarmente chamados «Casebres do Loreto». Destas ruínas se podem hoje ver alguns vestígios, em fotografias tomadas quando da construção do parque de estacionamento que agora ocupa o subsolo do largo. Ora como zona «fronteiriça» da boémia, acontecia muitas vezes irem os janotas da Casa Havaneza para ali conversar, dando mais ou menos de caras com os bêbados oriundos das tascas do Bairro Alto. Parece que havia muita gente a candidatar-se a interlocutor de Camões que, lá do alto, permanecia imune a todas as provocações. O que não evita que ainda hoje se diga, quando queremos que alguém se cale: «Vai chatear o Camões!» Ou seja, vai falar em voz alta à estátua do dito. O mesmo que «falar para o boneco», está de ver.

(Continua no livro)





sexta-feira

Lisboa nos Anos 60

(inédito):

«A meio da crise académica, no primeiro dia de Maio de 1962, acontece uma das maiores manifestações da década. Inicialmente convocadas pelo clandestino Partido Comunista Português, milhares de pessoas habitualmente distantes da política enfrentam a Polícia na Baixa, obrigando à entrada em cena do chamado «carro da água» (na realidade, os jactos eram de tinta azul), com que os agentes tentam dispersar a multidão. A própria censura acaba por deixar «passar» algumas notícias sobre os acontecimentos, além de fotografias com dezenas de montras partidas e edifícios danificados. Com menor intensidade, os confrontos repetir-se-ão no dia 8 de Maio, a pretexto de mais um aniversário do fim da II Guerra Mundial.»
Continua no livro.
Na fotografia: estragos na montra da célebre Pollux, na Rua dos Fanqueiros, em Maio de 1962.




quarta-feira

EXPOSIÇÃO DO MUNDO PORTUGUÊS


«A Exposição do Mundo Português será a coroa de glória das opções assumidas por António Ferro e apenas esboçadas anos antes, quer na Exposição Industrial do Porto quer na Internacional de Paris, em 1937, onde o pavilhão concebido pelo jovem arquitecto Keil do Amaral rompia com tudo aquilo que, até então, Portugal apresentara ao estrangeiro. No guia da Exposição do Mundo Português, o comissário Augusto de Castro escreve: "Sendo um olhar lançado sobre o passado, [a exposição] não terá um carácter exclusivamente erudito - e muito menos arqueológico. Deverá ser, ao contrário, uma lição de energia, uma perspectiva do génio português através de todos os estímulos de grandeza, um balanço de forças espirituais." Outros panfletos salientam tratar-se da primeira grande exposição histórica do Mundo. Esse mesmo mundo agora - historicamente - em guerra, ajuda a gerar, à volta desta paz sacralizante e sacralizada, o ambiente fictício dum paraíso do absurdo. »
(...)



Continua no livro «Lisboa nos Anos 40»

Fotografia do livro, de autoria de Mestre Horácio Novaes






domingo

OS QUADROS D'A BRASILEIRA


Marina Tavares Dias em «Os Cafés de Lisboa»:


As telas da Brasileira do Chiado, representativas duma geração artística cujas opções estéticas estavam ainda longe de ser consensuais,  provocaram enorme celeuma entre os académicos e o público mais conservador, transformando a Brasileira do Chiado em assunto de primeira página nos jornais do tempo. Lisboa, como sempre sequiosa de uma boa polémica, seguiu o tema com enorme interesse. António Soares foi o primeiros dos pintores convidados, delineando um esquema para a distribuição das telas pelas paredes e convidando imediatamente Eduardo Viana, que com ele concordou. Depois, recrutaram juntos os outros artistas: Almada Negreiros (2 quadros), Jorge Barradas(2), Stuart (1), Bernardo Marques (1) e José Pacheko (1).

 

António Soares e Eduardo Viana, então considerados os principais pintores daquela jovem geração (Almada Negreiros era ainda conhecido apenas como desenhador), receberam seis contos por quadro. As restantes obras foram pagas a quatro cada uma. Permaneceram nas paredes durante 45 anos, acumulando pó, fumo de cigarros e humidade de café. De vez em quando eram limpas com potassa*. Em 1968 estavam praticamente irreconhecíveis, tendo os jornais então alertado para o perigo de se perderem totalmente, caso não viessem a ser socorridas dentro de pouco tempo. Silva Pinto, da nova gerência, reconhecia não possuir A Brasileira meios para recuperar os quadros, cujo valor subira, entretanto, muito acima do que alguma vez fora esperado.

 




sexta-feira

LAVADEIRAS EM ENTRE-CAMPOS



«Os Melhores Postais de Lisboa», 1995:

Aquele que é, hoje, um dos mais procurados postais de Lisboa constitui o melhor exemplo de como a identificação do local pode valorizar uma imagem. Duas galeras carregadíssimas de lavadeiras e respectivas trouxas poderiam ter sido fotografadas em qualquer local. Dirá o bom-senso que, provavelmente, faziam paragem à saída de Lisboa. Mas o muro côncavo e a sugestão de um chafariz não bastam para inventário de percurso. O local continuou desconhecido, e o postal pouco motivante para coleccionadores mais exigentes.
Ao cabo de longa busca, desvendei o cenário, no livro 'Photographias de Lisboa 1900'. É o chafariz de Entrecampos, hoje recatado entre um bairro residencial e o viaduto de comboios sobre a Avenida da República. Após identificação, estes «costumes portuguezes» passaram a jóia de cada colecção cartófila.
As «viajantes», lavadeiras dos arredores, serviam quase todas as casas alfacinhas. Entre a burguesia ascendente, os hábitos de asseio deviam quase tudo à roupa lavada «fora» e corada ao sol, longe das «gaiolas de terceiro andar». As mesmas ribeiras que regavam hortas, abastecedoras dos mercados, mantinham imaculados os lençóis dos andares de rendimento. Hoje, jaz tudo, poluído e canalizado, sob estradas, viadutos e prédios suburbanos.